Judicialização desenfreada da medicina prejudica todo o sistema.

No último triênio, o Ministério da Saúde gastou R$ 1,76 bilhão com ações judiciais, um salto de 129%. Só em São Paulo, o gasto chegou perto de R$ 1 bilhão no ano passado, e a previsão para 2016 é de R$ 1,3 bilhão. O ministro da Saúde apresentou recentemente a previsão de que em 2016 os gastos de União, estados e municípios com a judicialização cheguem a R$ 7 bilhões.

A judicialização desenfreada da medicina prejudica todo o sistema de saúde e desafia os executivos federal, estadual e municipal, e também os poderes Legislativo e Judiciário. E tem gerado oportunidades para ações prejudiciais ao sistema e até absurdas, que afrontam a comunidade médica e os próprios órgãos reguladores do governo, como a Anvisa.

O caso recente mais emblemático foi o da “pílula do câncer”, cujo uso foi autorizado em projeto de lei pelo Congresso e sancionado pela presidente afastada, à revelia das agências e dos testes apropriados. Por ação dos médicos e da Associação Médica Brasileira, com o apoio da Academia Nacional de Medicina, felizmente, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a absurda lei que autorizava o seu uso.

A judicialização gera conflitos entre médicos (prescritores), Estado, Judiciário e sociedade (paciente e família). Muitas vezes, os conflitos são de competência, como neste caso e em muitos outros, na qual Legislativo, Executivo e até Judiciário passam por cima de órgãos reguladores, assumindo o papel de gestor de saúde, que desconhecem e para o qual não estão preparados.

Apesar do grande volume de ações que tramitam hoje na Justiça referentes à saúde, o modelo de judicialização praticado favorece principalmente aqueles que têm melhores condições financeiras e, consequentemente, maior acesso a advogados qualificados. Assim, os recursos para a população carente, em geral, ficam mais escassos, pois, além de desvio de enormes somas de recursos, eles são mal geridos. E os gastos são feitos sem planejamento, sem licitação e pagando-se preços exorbitantes (o teto) por medicações e procedimentos.

Além disso, a judicialização tem gerado oportunidades para o crime organizado, através de quadrilhas que se utilizam da situação muitas vezes desesperadora da população para lesar o Estado e as seguradoras de saúde. Paralelamente a isso, deve-se lembrar a forte influência da indústria farmacêutica no exercício médico.

É imperioso adotar critérios e normas que possibilitem a modernização do arsenal terapêutico de maneira organizada, com o pleno uso de recursos financeiros e humanos, tentando diminuir o desperdício causado pelas demandas individuais e de última hora.

Algumas propostas para minimizar os danos da judicialização da medicina podem ser a ampliação de Varas Especializadas em Saúde; a criação de Câmaras Técnicas de Conciliação no Judiciário, com participação de profissionais da área; ampliação dos Núcleos de Apoio Técnico, preferencialmente com suporte de médicos independentes; cursos propiciando o uso das evidências científicas nas decisões da Medicina e do Direito, como já é feito pela Unifesp para juízes, promotores, defensores públicos, gestores etc.

Francisco J. B. Sampaio é professor da Uerj e presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM), Rubens Belfort é professor da Unifesp e vice-presidente da ANM.

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