Não são raras as ocasiões em que duas esferas do Poder Judiciário dão tratamentos diferentes a assuntos idênticos, fundamentando suas decisões, inclusive, na mesma lei. É o que se verifica atualmente com os processos envolvendo planos de saúde e seus impasses vivenciados entre a Justiça comum e a Justiça do Trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 458, determina expressamente que as assistências médica, hospitalar e odontológica –prestadas diretamente ou mediante seguro saúde– não serão consideradas como salário. Consequentemente, grande parte da doutrina e da jurisprudência entendem que a concessão do plano médico não integra o contrato de trabalho do empregado para nenhum efeito legal.

Mesmo na hipótese de o contrato de trabalho estar suspenso em razão do recebimento de auxílio-doença acidentário ou de aposentadoria por invalidez –ou seja, quando não há a prestação de serviços–, é necessário manter o plano de saúde ou de assistência médica oferecidos pela empresa. Isso é o que afirma a edição realizada pelo Tribunal Superior do Trabalho da súmula 440, tornando ainda mais evidente o caráter assistencial do plano de saúde.

Na ocasião do término do contrato de trabalho, caso o empregado não tenha participado do custeio do plano, cessa o seu direito de permanecer com a assistência médica empresarial de seu antigo empregador. De acordo com a lei n° 9.656/98, caso o término do contrato de trabalho tenha sido sem justa causa, apenas ao consumidor e ao aposentado que tiverem contribuído para planos de assistência à saúde é assegurado o direito de manutenção como beneficiário nas mesmas condições de cobertura assistencial do último contrato de trabalho vigente, desde que assumam o seu pagamento integral.

Empresas costumeiramente recusam pedidos de antigos empregados que querem permanecer nos planos de saúde empresariais, pois se trata de uma conduta contrária aos ditames legais. Tal fato ainda poderá ocasionar o pagamento de uma multa vultosa à empresa pelo descumprimento da cláusula estabelecida entre a empregadora e o plano de saúde.

Tal conduta tem provocado um aumento de ações não só perante a Justiça do Trabalho, em que ex-empregados pleiteiam a continuidade do plano, como também perante a Justiça comum, em que ex-funcionários litigam diretamente em face da seguradora que fornecia o convênio médico.

Todavia, a Justiça comum concede o direito a ex-empregados de continuarem no plano de saúde empresarial de seus antigos contratantes, ainda que não tenham contribuído de forma direta com a assistência. As decisões consideram que o plano de saúde teria caráter salarial e de contraprestação pelo labor prestado. Esse fundamento, porém, não se sustenta na Justiça do Trabalho.

Salário Indireto

Verifica-se que o entendimento adotado pela Justiça comum parte do fato de que a lei supracitada não é expressa ao prever a forma de auxílio no custeio do plano que permite ao trabalhador fazer jus ao benefício, sendo possível o subsídio ser direto ou indireto. Nas hipóteses em que existiu um pacto laboral, o custeio do indivíduo foi indireto, ou seja, o plano de saúde configuraria salário indireto.

Os dois Tribunais Superiores dão entendimentos totalmente antagônicos ao mesmo dispositivo legal. O Tribunal Superior do Trabalho possui o entendimento de que a concessão do plano de saúde tem caráter meramente assistencial. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça afirma que o plano de saúde nada mais é do que um salário indireto.

O resultado é uma inaceitável insegurança jurídica, em que empresas são cada vez mais oneradas pela obrigação de custearem os planos de saúde de indivíduos que não estão mais vinculados a elas. Apesar dessas pessoas eventualmente arcarem com o valor, as despesas dos planos empresariais aumentam significativamente em razão do reajuste, do número de participantes e dos estudos atuariais.

Dessa forma, algumas empresas passaram a conceder assistência médica diferenciada para seus empregados. Todavia, em junho de 2016, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais entendeu que incide a contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de assistência médica ou seguro saúde quando os planos e as coberturas concedidas não forem iguais para todos os empregados da empresa.

Conforme expresso no voto vencedor, a lei n° 8.212/91 deixa claro que a condição para que o valor relativo à assistência médica não integre o salário de contribuição é a de que a cobertura abranja o total de empregados e dirigentes da empresa. Havendo dois planos distintos, mesmo que todos os empregados acabem por ser beneficiados por eles, supostamente o requisito legal não teria sido cumprido. Portanto, os gastos dos empregadores cada vez aumentam mais.

O dever social da atividade empresarial é o de conhecimento patente e inquestionável. Por outro lado, é importante ponderar que empregadores precisam ter previsibilidade sobre seus custos, para que possam operar de maneira lucrativa e continuar a originar empregos. Tamanha insegurança jurídica causada pela inconsistência de posicionamentos do Poder Judiciário sobre o mesmo dispositivo legal apenas desmotiva o desenvolvimento de negócios no Brasil, bem como a concessão de benefícios além dos que são obrigatórios em consonância com a legislação.

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