Volume de processos contra o SUS ou contra os planos de saúde mostra que relação com clientes ainda está longe de ser tranquila
Um levantamento feito pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo em março de 2014 mostrou que, na época, a Secretaria estava envolvida em mais de 39 mil demandas judiciais. Somente em 2013, essas demandas geraram um gasto de mais de R$ 900 milhões. No mesmo ano, um levantamento feito pelo Ipea Data mostrava que tinham sido abertas mais de 220 mil ações judiciais no Brasil, todas com o objetivo de obter medicamentos e dispositivos médicos.
Para o advogado especialista em questões de saúde, Vinícius Zwarg, sócio do Emerenciano, Baggio & Associados, a quantidade de pessoas que se sentem desassistidas no Brasil continua muito grande. Ele comenta que um estudo realizado pelo escritório mostra que, entre 2014 e 2016, houve um crescimento de 25% nas reclamações em relação aos serviços de saúde prestados pelos 20 maiores planos de saúde do País.
O comparativo, feito com base nos registros do site ReclameAqui, revela que foram 20.737 reclamações em 2014 e que, no primeiro semestre deste ano, o volume era de 13.038. Para Zwarg, o maior vilão aqui é a chamada negativa de atendimento. “A grande maioria das pessoas que vai ao Judiciário teve negativa de atendimento em situações dramáticas, após pagar 20 ou 30 anos de planos de saúde”, afirma.
E este número poderia ser ainda maior. O advogado lembra que muitas pessoas acham injusto demandar seus planos de saúde e outras ainda têm medo de represálias. “Elas não percebem que já estão vivendo uma represália”, diz, justificando a existência de uma grande demanda reprimida no mercado.
O mesmo ocorre contra o Sistema Único de Saúde (SUS), em que o maior problema é o acesso a medicamentos. “O estatuto do idoso obriga o Estado a fornecer medicamentos e, na prática, vemos que em muitos casos não há tratamento disponível. Há uma série de medicamentos caríssimos que só são conseguidos por meio de medidas judiciais”, comenta. Zwarg elogia o trabalho realizado pelos Procons, mas reconhece que esta não é a instância comumente procurada pelos consumidores.
“A grande verdade é que há um problema crônico de gestão, que se vê na regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Um exemplo é o fim dos planos individuais que obriga as pessoas a entrarem em planos coletivos por adesão em condições muito diferentes do que ela tinha no original”, diz. Por conta disso, ele acredita que os processos devem continuar aumentando.
Negociações
Se de um lado existe a perspectiva de que as disputas entre pacientes e o SUS, ou os planos de saúde, aumentem, de outro a ANS vem trabalhando para tentar criar novos canais de entendimento entre as partes. A diretora de fiscalização do órgão, Simone Freire, explica que as demandas que chegam ao Judiciário se dividem entre regulatórias e não regulatórias.
As primeiras tratam de clientes que vão à Justiça pedir cobertura de algo que está de fato previsto no rol de procedimentos ou no contrato firmado com as operadoras de saúde. “São ações que tratam de serviços que deveriam ter sido entregues e, por algum motivo, não foram”, explica. No segundo grupo estão as ações que buscam serviços não previstos. “As ações não regulatórias estão crescendo bastante, não só na medicina privada, mas também contra o SUS”, alerta.
Não por acaso, somente em 2015 foram registradas mais de 100 mil reclamações regulatórias na ANS. Quando isso acontece, abre-se a oportunidade de a operadora responder ao cliente e, com isso, evitar a judicialização. Segundo Simone, o índice de soluções chega a 90% nesses casos. “Podemos dizer que 90 mil pessoas não chegam à Justiça por conta dos acordos firmados aqui”, avalia.
Além da intermediação eletrônica, a Agência vem desenvolvendo há alguns anos uma iniciativa de aproximação com os tribunais de Justiça, estabelecendo acordos de cooperação que façam chegar ao Judiciário o entendimento técnico das causas em julgamento. “A saúde é uma questão muito sensível para que juízes decidam sem apoio técnico”, afirma.
Como exemplo, ela lembra que, se um advogado diz que uma pessoa pode morrer se não receber determinado tratamento, o juiz não tem como julgar se aquilo é verdade ou não, e acaba concedendo. Um acordo firmado com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) agora garante suporte técnico a juízes de todo o País.
Para Simone, esse é um trabalho que deve começar a dar resultados em alguns anos. Ela explica que os acordos estão sendo firmados com bastante rapidez e, mais que isso, encontrado muito interesse por parte do Judiciário.
Do lado dos clientes, a Agência vem procurando aprimorar a relação entre pacientes e operadoras. Um exemplo foi a resolução normativa que busca qualificar o atendimento do paciente, o que significa que operadoras de grande porte são obrigadas a ter atendimento presencial, a fornecer protocolos de atendimento na hora do contato e, em caso de negativa de atendimento, devem fazê-lo por escrito e em linguagem clara. “As pessoas precisam de tratamento humanizado quando cuidam de doenças e também precisam buscar o entendimento com suas operadoras, depois conosco, deixando o Judiciário realmente para o litígio e questões de urgência”, conclui.