“Imagine o cenário: um cientista numa conferência diz que encontrou um novo órgão no corpo humano.”

Começa com essa frase uma revisão sobre a influência dos germes intestinais na saúde humana, publicada no “British Medical Journal”. E, continua: “…esse órgão contém um número de genes cem vezes maior do que o do hospedeiro, é específico de cada pessoa, possui componentes herdáveis, e pode ser modificado pela dieta, por cirurgia ou antibióticos”.

O intestino humano é habitado por bactérias, fungos e vírus, conjunto de microrganismos que leva o nome de microbiota e contribui decisivamente para o desenvolvimento e a biologia. Há evidências claras de que esse microbiota evoluiu junto com nossa espécie (coevolução).

Estudos publicados nos últimos dez anos demonstraram que o microbiota intestinal está associado à promoção da saúde e a diversas doenças gastrointestinais e de outros órgãos. Nesse período, o Projeto do Microbioma Humano investigou uma variedade de nichos no organismo: pele, as cavidades oral, nasal e vaginal e, com mais atenção, o trato digestório.

A população de bactérias que vive no jejuno e no íleo é diferente em número e composição daquela encontrada no cólon e no reto. A diversificação é explicável pela disponibilidade de nutrientes: carboidratos complexos no cólon e reto; moléculas menores de carboidratos no jejuno-íleo.

Embora existam pelo menos dez diferentes filos de bactérias intestinais, formados por dezenas de espécies, os dois mais conhecidos são o dos Firmicutes e dos Bacteroidetes, cuja proporção numérica varia de um indivíduo para outro.

Há cerca de 160 espécies de bactérias apenas no intestino grosso. Como indivíduos não aparentados compartilham apenas um pequeno número delas, é provável que tenhamos sido colonizados pelo microbiota transmitido por nossos ancestrais.

Fermentação dos carboidratos é a atividade central do microbiota do intestino. As substâncias formadas nesse processo exercem papel importante no controle do sistema imunológico e nas reações inflamatórias, especialmente na inflamação crônica causada pelas células adiposas, nas pessoas obesas.

Nos obesos, existe relativa abundância de Firmicutes e redução do número de Bacteroidetes. A perda de peso está associada à proliferação de Bacteroidetes.

O controle das taxas de glicose no sangue também guarda relação com a composição do microbiota. Transplantes de fezes de indivíduos magros para o intestino de diabéticos aumenta a diversidade de bactérias e a sensibilidade à insulina.

Embora a obesidade seja causada por um excesso de calorias ingeridas, diferenças na ecologia dos microrganismos intestinais constituem um fator causal, passível de manipulação terapêutica.

Como o fígado recebe 70% do sangue que circula pelas alças intestinais, está continuamente exposto aos componentes e às toxinas bacterianas. A epidemia de casos de hepatite gordurosa em gente que não bebe guarda relação com o aumento do número de Bateroidetes em relação ao de Firmicutes.

Embora o álcool esteja claramente associado à cirrose hepática, nem todos os alcoólatras desenvolvem a doença. Hoje sabemos que ele provoca proliferação de bactérias no jejuno humano e que, quanto maior o número delas, mais grave a cirrose alcoólica.

Há muitos estudos concentrados nas doenças inflamatórias do cólon: colite ulcerativa e doença de Crohn. Está demonstrado que, nesses pacientes, a composição das bactérias no intestino grosso fica alterada, e que o uso de probióticos e de transplantes de fezes doadas por indivíduos saudáveis podem modificar o curso da enfermidade.

As interações entre as funções metabólicas do microbioma intestinal e a dieta estão implicadas na etiologia do câncer de cólon e reto. O metabolismo das fibras ingeridas tem importância crítica nesse processo.

Há diversos testes com probióticos e prebióticos capazes de modular o crescimento e alterar as características da flora intestinal na prevenção e no tratamento da obesidade, de doenças inflamatórias, infecciosas, degenerativas e até de transtornos psiquiátricos.

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