Decisão que proíbe outros profissionais de aplicar botox acirra disputa na área estética
Uma determinação da Justiça do Distrito Federal proibindo os biomédicos do país de realizar procedimentos como aplicação de toxina botulínica, preenchimentos e peelings profundos impulsionou uma controvérsia nessa área. A decisão da juíza Maria Cecília de Marco Rocha, da 3ª Vara Federal do DF, dá aval a uma ação movida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), com apoio da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) para anular integralmente três resoluções do Conselho Federal de Biomedicina (197/2011, 200/2011 e 214/ 2012). Assim, a ordem judicial impede a atuação de biomédicos em técnicas consideradas invasivas.
Hoje, em muitas clínicas, diversos desses procedimentos são realizados por biomédicos, que não têm formação em medicina. A presidente da Associação Brasileira de Biomedicina Estética (ABBME), Ana Carolina Puga, criticou a decisão, datada de quinta-feira passada. Por meio de nota, ela disse que a entidade vai recorrer e pediu a biomédicos do país que continuem trabalhando normalmente até que o Conselho de Biomedicina seja oficialmente notificado. Segundo Ana Carolina, a medida põe em risco a classe dos biomédicos e “contribui para a concentração de mercado em favor dos médicos”.
“Tal liminar só prevalecerá depois de notificação ao Conselho Federal. Enquanto isso qualquer maledicência é passiva de ação judicial, e já estamos trabalhando para entrar com outra liminar a fim anular tal decisão. Estamos lutando para defender os nossos legítimos direitos”, diz o comunicado.
GRAVES COMPLICAÇÕES
De acordo com o presidente da Sociedade de Dermatologia, Gabriel Gontijo, o que motivou a abertura de processo foi o aumento dos casos de pacientes com complicações graves após se submeterem “a procedimentos estéticos com profissionais inadequados”.
— A SBD e a SBCP começaram a coletar e a documentar esses casos. Esse cenário mostra que alguns profissionais não-médicos estão fazendo diagnósticos e tratamentos como se fossem médicos, extrapolando a formação e o currículo que tiveram na faculdade, trazendo muitos riscos — diz.
Gontijo afirma que, de agora em diante, não há mais respaldo legal para a atuação do biomédico nem mesmo com supervisão médica, como era antes:
— Havia essa liberação e deu no que deu. É o mesmo se eu, um dermatologista, resolvesse aplicar clareamento dental no meu consultório. Hoje, há dentistas realizando aplicação da toxina botulínica e alguns também extrapolam sua margem de atuação.
Responsável por pleitear a legalização da Biomedicina Estética no Brasil — em plenária com membros do Conselho Federal de Biomedicina (CFBM), há seis anos —, Ana Carolina convocou interessados para uma Plenária Extraordinária em prol da Biomedicina Estética. A reunião será realizada em paralelo ao 4º Congresso Brasileiro de Biomedicina Estética (CBBME 2016), nesta sexta-feira, na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Outro debate com a categoria ocorre hoje à tarde, às 15h, no Edifício Torre do Pátio Brasil, em Brasília, para alinhar os argumentos de defesa e tomar providências sobre a liminar.
— Sempre trabalhamos com procedimentos estéticos que são pertinentes ao biomédico esteta. Eles são injetáveis e não invasivos. Este profissional, além do programa regular, faz de um a dois anos de especialização somente nessa área estética. Temos conhecimentos de farmacologia, de microbiologia, de anatomia, de bioquímica e em diversas outras áreas na saúde. Mas nunca trabalhamos com doenças, patologias médicas — diz Ana Carolina.
Até então, a biomedicina estética abrangia procedimentos de eletroterapia, laserterapia, toxina botulínica, preenchimento, peeling, carboxiterapia, entre outros.
— O que nós não podemos fazer é prescrever antibióticos, assim como farmacêuticos e enfermeiros também não podem. Mas temos parceiros médicos que cuidam de quadros infecciosos, que podem acontecer em qualquer área. É algo que já não cabe a nós. Ainda assim, seríamos mais competentes ao orientar em casos de possíveis infecções do que esteticistas — afirma.
Já no entendimento do secretário do CFM Hermann Alexandre Tiesenhausen, não há competência legal para a realização de tais procedimentos sob a consideração de que “aquele que pratica o ato deve ter a competência de tratar as possíveis complicações” e que os procedimentos em questão são, muitas vezes, invasivos, necessitando a realização de diagnósticos:
— Existem normas legais que determinam as atribuições de cada profissão. O Conselho Federal de Biomedicina, por meio de normas administrativas (resoluções), tem dado atribuições aos biomédicos que não estão contidas na lei e colocando a população em risco. Não se pode substituir um médico com especialização em dermatologia ou em cirurgia plástica por um biomédico com especialização em estética porque, mesmo um procedimento minimamente invasivo, ainda é invasivo. E o diagnóstico do tratamento é da competência do profissional médico — analisa.
O secretário avalia também que a liminar, ainda sem caráter definitivo, pode trazer desdobramentos para os esteticistas, que não têm formação acadêmica correlata.