Monstro da Judicialização

A saúde básica é um direito de todos e um dever do Estado, mas é preciso conter o impulso de obrigar o Estado a fornecer todo tipo de tratamento para quem pedir, pois isso prejudica o funcionamento do sistema de forma geral. Esse é o entendimento do ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes.

Gilmar Mendes defendeu o fortalecimento de entidades fora da Justiça para mediar

e solucionar parte dos conflitos.

 “O sistema fica desprotegido em um modelo onde são priorizados apenas direitos. E é a sociedade que paga pelo sistema”, disse o ministro em evento da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) sobre a judicialização da saúde. Destacando que “o privilégio de uns é falta para outros”, Gilmar Mendes opinou que o Estado não pode arcar com extravagâncias, devendo respeitar seus limites.

“Quando mandamos um prefeito pagar um custo de R$ 50 mil, podemos estar tirando recursos da vacinação”, afirmou o ministro, que, durante toda sua fala, repetiu como um mantra a necessidade de ser encontrada uma maneira para retirar da Justiça boa parte das disputas relacionadas à saúde.

Nesse contexto, Gilmar elogiou uma iniciativa da Defensoria Pública de São Paulo, que cadastra as pessoas que precisam de determinado remédio para analisar o caráter coletivo da demanda. Segundo ele, os juízes também estão à mercê dessa situação com detalhes ainda pouco conhecidos.

“O pano de fundo dessa discussão deve passar por um levantamento claro sobre a atual situação, e levando em conta os aspectos regionais”, disse, complementando que o Judiciário, para ajudar a resolver esse problema, deveria criar corpos técnicos para analisar os casos e auxiliar os julgadores. “Nós juízes precisamos entender todo o processo, porque também fazemos parte dessa disfuncionalidade”, disse.

O sistema de saúde brasileiro, continuou Gilmar Mendes, sofre com muitas distorções, além daquelas impostas pelas diferenças sociais e de infraestrutura de cada região do país. Ele citou como exemplo desses abismos o próprio Judiciário, que, segundo ele, “de nacional só tem o salário” (“o resto é muito diferente, muito desigual”).

Ação como arma

O presidente do TSE afirmou que o problema da judicialização da saúde se arrasta há tanto tempo e já ganhou tamanha proporção que se tornou em uma espécie de arma política. Ele contou que há inúmeros casos de secretários de saúde presos e outros tantos que correm risco, tudo isso por conta de decisões que obrigam o fornecimento de determinado remédio ou tratamento.

“A judicialização se transforma, em determinados casos, em um estelionato judicial”, afirmou. Para Gilmar Mendes, a sociedade de assumir a dianteira desse debate, se organizar e questionar disfunções ao mesmo tempo em que pensa soluções para resolver esses incessantes conflitos.

O ministro reforçou que o Judiciário não pode ser o único e eterno fiel da balança em todo e qualquer conflito, pois, além de ser humanamente impossível, esse não é o melhor caminho a se seguir. “O Judiciário não tem como se envolver em tantas questões. E quanto mais ele é demandado, mais ele erra.”

Ele citou como alternativas o Procon, que fiscaliza as relações de consumo, e o modelo alemão, em que bancos e seguradoras, por exemplo, têm um ombudsman para fiscalizar os atos da empresa.

Gilmar Mendes também questionou como são feitas as escolhas dos dirigentes de agências reguladoras. O modelo de loteamento político já bem conhecido no Brasil, para o ministro, é uma das causas da situação vivida no país. “Pode até ter partido, mas tem que ser capacitado.”

Reforçando a necessidade de valorizar mais as agências de fiscalização, ele contou que esses órgãos foram criados já pensando na arbitragem como meio de resolução. “A judicialização é o problema, gerando essa geringonça que não sabemos quais os parâmetros”, disse.

O cenário promovido pelas diversas e paralelas crises atuais pode ser sim um bom momento para reavaliar todo esse modelo, de acordo com o ministro. “É necessário que pensemos em regras de reorganização […]. Em 30 anos de Constituição, temos material crítico para fazer uma reescritura”, finalizou.

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