Em seis anos, número de atendimentos a pacientes obesos de 0 a 19 anos subiu de 3.069 para 9.211

Para a criança, comemorar aniversário significa ter liberdade para comer frituras, doces e refrigerantes à vontade. Era para ser só ali, na festa, mas, nos domingos, a avó sempre aparece com os bolsos cheios de balas para agradar os netos. Demonstração de carinho que ultrapassa gerações e é usada também pelos pais para compensar ausências e tristezas. Logo, a exceção vira regra, e as crianças aprendem que alimento é aquilo vendido em embalagens feitas pela indústria. É dela que vêm o biscoito recheado do café da manhã, a lasanha do almoço, os nuggets do jantar.

O modo de vida pouco saudável é, em maior ou menor grau, comum na sociedade moderna. Em outros tempos, crianças e adolescentes comiam alimentos diretamente da roça. Hoje, eles estão engordando e adoecendo antes da hora. No Sistema Único de Saúde (SUS) de Belo Horizonte, triplicou o número de atendimentos relacionados à obesidade entre o público de 0 a 19 anos: foram 3.069 em 2010 contra 9.211 no ano passado, uma média de 25 por dia. “Os atendimentos de 2017 (até agora são 6.494) estão caminhando para serem maiores que os realizados em 2016”, informou, em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA). No mesmo período, outras complicações relacionadas à má alimentação também saltaram. Os atendimentos de diabetes quase triplicaram, e os de hipertensão e de doenças cardíacas praticamente dobraram.

Parte do aumento se deve à ampliação dos serviços disponíveis no SUS, segundo a secretaria, mas os hábitos familiares não ficam atrás. “A alimentação inadequada é um dos principais fatores para o aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade e diabetes. É uma preocupação da secretaria minimizar esse quadro”, completou o órgão.

E a preocupação vai além da esfera municipal. Relatório divulgado neste ano pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) revela que 7,3% da população de 0 a 5 anos está acima do peso no Brasil. Em Minas, 8,79% das crianças na mesma faixa etária eram obesas em 2015 (último dado disponível). Entre o público de 5 a 10 anos, o percentual é maior (9,62%).

“Percebemos alta ingestão de açúcar e de carboidrato simples, como farinhas brancas, e ausência de atividade física”, comenta o pediatra e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Clésio Gontijo. Segundo ele, a falta de nutrientes, para magros ou obesos, pode ter consequências mais graves na infância: “O impacto para a criança é diferente do adulto. Elas estão em fase de crescimento e podem ter atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e déficit de aprendizagem para o resto da vida”.

Análise

“A obesidade está mais ligada ao estilo de vida do que a fatores genéticos. A mudança

Relações e hábitos têm que mudar

A obesidade na infância deve ser analisada em um contexto sociofamiliar, de acordo com a psicóloga Valéria Tassara, coordenadora de um grupo de apoio para crianças obesas e famílias no Hospital Infantil São Camilo Unimed. “A obesidade é sistêmica. Pode estar relacionada a fatores biogenéticos, psicológicos e sociais”, afirma a especialista. O emagrecimento, segundo ela, implica quebra de paradigmas.

A família Mozer participou do grupo de apoio e percebeu que estava se boicotando com uma vida sedentária, que, além da má alimentação, levava ao afastamento entre pais e filhos. “Aprendemos a comer melhor e também a passar mais tempo juntos, a ser mais felizes”, conta a dona de casa Rejane Mozer, 46.