O tratamento home care constitui a continuidade do tratamento hospitalar para a residência do paciente, ou seja, uma “internação domiciliar. Não obstante as valiosas ponderações acerca de seus prós e contras sob o aspecto técnico médico, que não serão tratados neste texto, é fato que sua execução gera significativo custo para o respectivo responsável financeiro da referida prestação de serviços. Nesse peculiar surge a imperiosa indagação sobre a existência ou não da responsabilidade das operadoras de planos de saúde em arcar com os respectivos custos financeiros dos serviços de home care.

Em análise mais superficial, a resposta poderia ser positiva, seja sob o argumento genérico do direito à vida e à saúde, seja porque o paciente não escolhe a necessidade de seus tratamentos, seja porque o médico assistente é soberano na indicação do melhor tratamento ao paciente, seja porque o contrato de plano de saúde por sua própria natureza não pode restringir um tipo ou outro de tratamento, seja, porque o direito do consumidor/paciente/beneficiário hipossuficiente, deve prevalecer sobre o poderio econômico das operadoras de planos de saúde, consideradas como verdadeiras vilãs dessa relação.

Porém, à luz de análise técnica, objetiva, legalista, e não apaixonada, é possível afirmar que as operadoras de planos de saúde privado não tem obrigação de suportar os altos custos do tratamento home care para seus beneficiários.

Tudo porque a partir da Lei n.º 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) e da Lei 9.961/00 (Lei de Criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar — ANS) se estabeleceu um sistema jurídico próprio, específico e especializado para regular o setor e planos de saúde privado.

Nesse sentido, nos termos do art. 4.º, III, da Lei 9.961/00, a ANS passou a legislar sobre as obrigações das operadoras de planos de saúde sob vários aspectos, dentre esses, em relação as coberturas obrigatórias. No entanto, o referido tratamento não está previsto no rol das coberturas obrigatórias regularmente atualizado pelas respectivas Resoluções Normativas da ANS.

Logo, se a operadora não optar por oferecer cobertura home care para seus beneficiários, de forma expressa em seu contrato, por força de lei, não está obrigada a custeá-lo, ainda que sob prescrição médica pois tal cobertura não é recepcionada pela Lei 9.656/98. Ademais, a ANS através de seu Parecer Técnico n.º 04/GEAS/GGRAS/DIPRO/2016, se posicionou expressamente de forma técnica sobre a ausência de obrigação de cobertura de tratamento home care por parte das operadoras de planos de saúde.

Portanto, com o devido respeito, posicionamentos do STJ como no recente julgamento do Recurso Especial n.º 1.599.436-RJ, ou mesmo do próprio TJ/SP, através da Súmula 90, encontram respaldo muito mais numa questão social do que técnica à luz da legislação especifica competente que regula a atividade das operadoras de planos de saúde privada.

E nesse peculiar, é regra básica do direito oriunda do princípio da especificidade, de que a lei especifica se sobreponha à legislação generalista, o que infelizmente não está sendo observado por algumas cortes do Judiciário.

As operadoras de planos de saúde não podem estar sujeitas às regras e exigências da ANS, o que aliás, não são poucas, apenas quando lhe impõe obrigações, e terem as mesmas regras relegadas a insignificância quando lhe garantem direitos.

Da mesma forma, a exemplo de qualquer outra prestação de serviços, as regras contratuais e legais devem ser respeitadas durante a relação contratual, pois elas constituem elemento base para o cálculo da equação econômica financeira da atividade, inclusive na formação inicial do preço do plano de saúde.

Admitir o contrário, é o mesmo que exigir uma cobertura não contratada sobre a qual nunca se pagou a respectiva contraprestação.

Atualmente, tais decisões judiciais, sob o argumento de conferir melhor benefício a determinados casos, provocam gradativo colapso no sistema, que certamente prejudicará uma coletividade muito maior. Ademais, se de um lado os direitos dos consumidores devem ser protegidos, não se pode impor um peso tão grande em face das operadoras de planos de saúde que torne a manutenção do sistema insustentável, onde o respeito de direitos se dá apenas para um dos lados.

Importante notar os argumentos que impõem a cobertura do tratamento home care ignoram as preocupações da lei que determinou a existência de opções de continuidade de tratamento com risco contratado.

São os chamados hospitais de transição/retaguarda, ainda pouco difundidos, que garantem humanização e melhor benefício para pacientes que não demandam internação hospitalar em hospital geral, mas que ainda não reúnem condição de alta médica.

Esse tipo de hospital já faz parte da rede credenciada das operadoras de planos de saúde e representa risco contratado. Portanto, a desobrigação de home care não é uma posição desumana nas coberturas, mas sim, lealdade contratual.

*Fernando Bianchi, sócio de Miglioli e Bianchi Advogados, membro das Comissões de Direito Médico e de Estudos de Planos de Saúde da OAB/SP

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