Em plenário por videoconferência na última quarta-feira, ministros retiraram eficácia de trecho da MP 927
que impedia funcionários contaminados pelo coronavírus de culpar a empresa

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, em plenário realizado por videoconferência, no último dia 29, suspender dois dispositivos da Medida Provisória 927/2020, que permite a empregadores adotarem medidas excepcionais para manter o emprego de seus funcionários em meio à crise causada pelo novo coronavírus.

Perderam eficácia os artigos 29, que determinava que a contaminação pelo coronavírus não poderia ser classificada como doença ocupacional, e o 31, que limitava o trabalho de auditores fiscais a apenas atividade de orientação. A decisão foi tomada durante a análise de uma medida liminar em sete ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) apresentadas contra a medida do governo federal.

De acordo com a maioria dos ministros, seguindo divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, os dois artigos não condizem com o objetivo da medida provisória de manter os vínculos trabalhistas e, ao mesmo tempo, garantir a saúde financeira das empresas.

Moraes afirmou que não considerar casos de contaminação por coronavírus como ocupacionais e exigir que o empregado comprove culpa da empresa pela infecção seria uma ofensa aos trabalhadores de atividades essenciais, que estão constantemente expostos ao risco de contágio.

Decisão protege mais os trabalhadores do que os empregadores

Para entender as consequências do entendimento da Suprema Corte, é importante saber as duas regras gerais que definem quando um problema de saúde é considerado uma doença ocupacional ou não.

“Nosso sistema de responsabilidade civil se divide em duas partes. A primeira regra geral é que a responsabilidade do empregador é subjetiva, ou seja, o empregado, para dizer que aquela doença é ocupacional ou não, precisa comprovar dolo ou culpa do empregador. A responsabilidade do empregador é objetiva, segundo o Código Civil, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo funcionário implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”, explica Joel Gallo, advogado trabalhista sócio do escritório Souto Correa Advogados.

Basicamente, para a maioria das atividades profissionais, é responsabilidade do empregado comprovar que um problema de saúde foi resultado de seu trabalho. Em casos definidos por lei como atividades de risco, a necessidade de provar responsabilidade ou não pela doença deixa de ser do empregado e passa a ser do empregador.

Na visão de Gallo, a análise do STF vai gerar uma discussão sobre o que é considerado atividade de risco durante a pandemia: se todos que continuam trabalhando durante a quarentena ou apenas os profissionais que estão na linha de frente, como médicos e enfermeiros.

“Haverá uma proliferação de ações judiciais certamente após o fim da pandemia que vão tentar enquadrar essas atividades como atividades de risco”, prevê. “A decisão não reconhece automaticamente a covid-19 como uma doença ocupacional, mas o risco de enquadramento aumenta, e aí, como consequência, aumenta o risco de insegurança jurídica, porque haverá decisões diferentes para todos os lados.”

“A decisão do STF está protegendo o empregado. A MP 927 estava protegendo o empregador”, analisa a advogada trabalhista Claudia Abdul Ahad Securato, sócia do escritório Oliveira, Vale, Securato & Abdul  Ahad Advogados.

Para ela, o entendimento do Supremo gera uma insegurança para as empresas, mas pode levar também a uma maior preocupação dos empregadores em seguir as recomendações de prevenção ao coronavírus. “O lado bom dessa decisão é que eu entendo que as empresas vão se obrigar a se proteger muito mais do coronavírus. Saúde e segurança do trabalho ficarão muito mais fortes”, afirma.

 

 

Fonte: Estadão

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